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Region: Novo Brasil

O futuro está no dado

- Um homem há de vir neste local amanhã pela manhã. – A velha avisou para seu assistente.

E dito, e feito. Logo após o raiar do sol, um cavaleiro chegou à tenda em que a mulher habita, com um capuz e disse ao moço:

- Eu vim ver a adivinha.
- Tem certeza? Há muitas coisas aqui ótimas para se ver também – engraçou o moço, observando a beleza do rosto do cavaleiro.
- Deixe-o entrar, Pavel. – a mulher gritou lá de dentro.

O homem entrou dentro da tenda e o cheiro de incenso roxo impregnara, junto com a fumaça, todo o ambiente. O homem se assentou de pernas à moda irhkiana, na almofada. Logo após retirar seu capuz, abriu a boca, mas foi interrompido.

- Sei que está aqui pelo destino, e seu destino foi visto ontem pela noite. Sua esposa, correto?
- Ela está doente! Os médicos não conseguem dizer o que ela sofre, então ouvi dizer sobre uma senhora moradora aqui no Kamp que pode-a salvar!
- Eu só posso ver o que há de importante na sua trajetória. Vamos ao graveto, se ouviu falar de mim, sabe que eu exijo que tragam um graveto para ler a sorte.

O homem prontamente retirou de seu cinto um graveto, que pegou no chão do caminho que sai de Bernovo Além-Montanhas até Dulina Kamp. O desespero era nítido nos seus olhos.

- Isso já basta – a velha pegou o graveto com delicadeza e curiosidade, levantando-o até seu nariz, buscando ler nas rachaduras e nos buracos, algo que pudesse ler a sorte do viajante. – Isso é interessante... Vamos ver o que os dados dizem sobre essa interpretação.

A velha pegou um dado de vinte lados, acendeu mais um incenso que cheirava à flor-do-campo-lilás e quebrou o graveto, o esmiuçando e fazendo farelo. Logo em seguida jogou o dado para cair em cima do farelo, enquanto explicava a situação.

- A adivinhação pelo dado de vinte lados tem origens na região de Herópole, uma região antiga que hoje é tigrina e lysandesa. Ele pode prever acontecimentos, resultados e decisões. Com as palavras certas, o desejo e a leitura de um graveto, podemos entender o que o futuro lhe traz.

O dado caiu no algarismo 1. A mulher então estendeu a mão para receber o pagamento.

- Oitenta teznas, eu já recebi a revelação de seu futuro!

O homem de forma lamentável retirou um saquinho contendo moedas de cobre e jogou na mesa. A velha contou, moeda por moeda.

- Apenas 67 teznas? E isso aqui nem dinheiro da Alissonóvia é – a mulher jogou uma moeda contendo a efígie de uma guerreira apontando uma espada para cima.
- É a moeda de Ilídia, minha senhora.
- Ilídia já é um território imperial desde duzentos anos, eles não usam essa moeda há muito tempo!
- Por favor, me diga a interpretação! Eu imploro!

A velha então disse:

- A interpretação é por sua conta e risco. Os espíritos que habitam na natureza, os espíritos do oceano, da terra e das correntezas do ar, o espírito da luz e dos ancestrais reúnem-se nesse lugar. É de se pensar que a sua esposa há de viver. Mas certamente morrerá. Os espíritos aconselham que você lute contra aqueles que assolam esse plano, a cúria religiosa, os grandalhões do povo, os nobres decaídos e aqueles que possuem sede em realizar vinganças. Eles exigem que você viva uma vida de cavaleiro sem riquezas. Porque os espíritos certamente trarão sua amada de volta para o mundo mortal assim que você realizar todas essas coisas.

O homem chorou, por vários minutos e posteriormente agradeceu a velha e foi embora. Após isso, Pavel entrou.

- Eu sempre me pergunto o que você fala para eles que eles ficam desse jeito. Alguns chorões, outros determinados, outros com sede de vingança e outros em plena paz.
- Eu apenas falo o que vejo e ouço. Daquele homem, em toda Linia e todo o Kamp, bem como Trietlen e arredores, eu reconheço quando há desespero. Eu sei que ele veio de perto porque o graveto está úmido. É temporada de chuva próximo às montanhas. Ele veio correndo, porque está a cavalo, então está muito apressado. Ele veio desesperado. Pavel, minha fama por essas terras está começando. As pessoas que vieram a cavalo antes demoram dias e dias. Apenas quem está perto o suficiente para ouvir minha fama é daqueles que nutrem preconceito e ódio, além dos desesperados e sem fé.
- Mas e se ele pegou o graveto aqui perto?
- Olhe pra cima, cadê a chuva? Não choveu no Kamp. E a mulher dele já deve ter morrido. Não sei se você vai em outros lugares a não ser os prostíbulos e demais casas de camponeses, mas se for aos lugares certos, ouvirá sussurros sobre uma epidemia montanhosa. Ninguém sabe o que é que está acontecendo.
- E se ele realmente não veio de lá?
- Aí é mais uma adivinhação levada na pura mentira.
- E não são todas?
- Não, Pavel, não são. Mas nesse caso, não foi uma leitura, foi um palpite. Se acontecer, temos um novo paladino que lutará pela volta de seu amor. Se não acontecer, assumo que o dinheiro foi insuficiente para que os espíritos manifestem uma leitura completa. Às vezes, as adivinhas devem ler o que está óbvio, não o que querem que você leia. Há muitas nuances, muitas análises...
- Ele poderá lhe matar, Nin.
- Que pena, pelo jeito alguém que guarda a porta deveria lutar por mim, não é?
- Você leu meu futuro, sabe que só morrerei se você ver.
- E eu não vi sua morte em nenhum desses anos.
- Foram cento e quinze não?
- Amanhã farão cento e dezesseis.

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